Um fato, vários pensamentos
Este artigo está sendo bastante divulgado na internet, não só por se tratar de um assunto polêmico, mas pelo seu ponto de vista sobre o mesmo. Vale a pena ler e pensar sobre o tema!
Boris Casoy, o filho do Brasil - Por Paulo Guiraldelli -
01.01.10
"Uma parte da nossa esquerda
política imagina que os ricos não são brasileiros. Pensam que eles ainda são os
filhos de uma elite que estudou na Europa e que, se o Brasil for mal, irá embora
daqui. Imagina que são pessoas completamente por fora da vida cotidiana do
Brasil. Essa visão da esquerda pouco ajuda. Enquanto não entendermos que um
homem de direita como Boris Casoy é tão “filho do Brasil” quanto Lula, não vamos
descrever o Brasil de um modo útil para os nossos propósitos de
melhorá-lo.
Creio que o vídeo (aqui) que
mostra Boris ridicularizando de maneira odiosa os garis, com o qual iniciamos o
ano, deveria valer de uma vez por todas para compreendermos algo que, não raro,
há vozes que querem negar: “o ódio de classe” permanece entre nós – sim, nós os
brasileiros. Deveríamos levar em conta isso, sem medo, ao descrever o
Brasil.
Quando Ciro Gomes, ao comentar
algumas reações às políticas sociais, então vindas de determinados grupos da
imprensa, disse que tal coisa era obra “da elite branca”, a reação da direita
foi imediata. Um dos elementos mais à direita que temos na imprensa brasileira,
Reinaldo de Azevedo, saiu rasgando o verbo. Primeiro, elogiou Patrícia Pillar,
atriz mulher de Ciro, para não criar desafetos, e em seguida tratou o político
como um bobalhão que teria falado de algo que não existe no Brasil. Ciro teria
bebido demais em algum rortianismo, lá nos Estados Unidos, quando então fez
curso arrumado por Mangabeira Unger. Voltando de lá mais à esquerda do que foi,
estaria inventando divisões que aqui não existiriam. Reinaldo não é um
jornalista sofisticado para escrever isso, mas o que disse, no meio de sua pouca
cultura, queria transmitir essa idéia.
Mas quando ouvimos o que um Boris Casoy diz por detrás das
câmeras, não temos como não admitir que Ciro está certo: existe uma “elite
branca” no Brasil que sente profundo desprezo para com tudo que é do âmbito
popular. Pode ser que vários membros dessa “elite branca” não sejam tão cruéis
quanto Casoy. Pode ser, mesmo, que vários dos ricos que estão nessa “elite
branca” se sintam desconfortáveis, perante os preceitos cristãos de humildade
que dizem adotar, quando escutam isso que ouvimos de Boris Casoy. Todavia, o que
Casoy falou é o que se pode ouvir, entre um uísque e outro, nas festas antes
organizadas pelo empresariado que amava da Ditadura Militar, e que hoje é feita
para angariar fundos para o PSDB, o partido que havia nascido com o propósito de
não ser a direita política, mas que, agora, assume esse
papel.
Não quero de modo algum, com esse
artigo, provocar aqueles que, sempre pensando só de modo dual, logo dirão: “ah,
mas a esquerda é blá, blá, blá”. Sou um homem de esquerda. Minha condição de
filósofo me dá alguns instrumentos para analisar de onde venho. Podem ficar
tranqüilos. Aliás, sou uma pessoa que adora a frase de Fernando Henrique
Cardoso, quando ele disse, se referindo a ele mesmo por conta de acreditar que
sua política econômica, ela própria, já era política social: “não é necessário
ser burro para ser de esquerda”. Mas aqui, não quero falar da esquerda. Quero
mostrar que gente como Boris Casoy não caiu no Brasil vindo de Plutão. Muito
menos estudou na Europa. Gente como Boris Casoy estava no Mackenzie, fazendo
curso superior, mais ou menos no tempo em que Lula deveria estar vendendo
limão na rua. Isso não transforma o Lula em um bom homem e o Boris em um
perverso. Mas isso dá, claramente, razão a Ciro Gomes: há sim uma “elite branca”
que não respeita garis, que não os acham gente, e que transferem esse ódio ao
Lula, principalmente quando olham para ele e o vêem sendo abraçado por um
Sarkozi, na capa do Le Monde.
Sarkozi
é o presidente da França. E não é de esquerda. Eis então que toda a direita no
Brasil comemorou sua eleição. Todavia, Sarkozi aparece abraçado com Lula, sem o
preconceito de classe que vários dos próprios brasileiros ainda possuem contra
Lula, então, esse fato Lula-Sarkozi, deixa essa “elite branca” despeitada. Ela
se pergunta, raivosa: “por que não FHC ou Serra?” Por que aquele “analfabeto”,
por que ele, aquele … “gari”? Sim, a fala de Boris é o equivalente dessas frases
que eram, até pouco tempo, restritas aos círculos da Ana Maria Braga, Regina
Duarte, José Neumanne Pinto e Danusa Leão. Foram esses círculos que fingiram se
espantar com o relato de César Benjamim, sobre Lula na prisão. (a história de
que Lula teria tentado comer um garoto lá). Fingiram, sim, pois já haviam
escutado isso em festinhas e riam disso, tratavam de fazer correr a fofoca,
sendo ela verdadeira ou não.
Caso
queiramos melhorar o Brasil, vamos ter de ver que os brasileiros – muitos –
pensam como Boris Casoy. E atenção nisso: não vamos culpá-lo pelos seus cabelos
brancos não! Mainardi, na Globo, ainda não tem cabelos brancos e pensa a mesma
coisa. Na Band, vocês já viram o tipo de preconceito de classe contra pobres que
aparece no CQC? Já viram o menino Danilo Gentili insultando os pobres, jogando
comida para eles? Não? Pois saibam que isso ocorreu sim! Esse tipo de humor é
necessário?
Estamos há duas
décadas da “piada” de Chico Anísio contra Lula, dizendo que se Marisa fosse a
primeira dama e fosse morar no Planalto, ficaria esgotada ao ver quantas janelas
de vidro teria de limpar. Naquela época, a Globo fez Chico Anísio pedir
desculpas em artigo na imprensa. E ele pediu! De lá para cá, o que mudou na TV
brasileira? Ora, o vídeo de Boris Casoy nos diz que pouca coisa mudou. Que ainda
precisamos de muito para evoluirmos. Temos uma longa caminhada pela frente no
sentido de educar aquele brasileiro que não consegue entender que o dia que um
lixeiro parar, ele, o rico, vai ver todas as moscas botarem ovos no seu ânus, e
quando ele acordar, ele terá sido devorado em vida pelos vermes. Estamos ainda
precisando de uma forte pedagogia que entre nas escolas de modo a evitar que os
brasileiros do futuro sejam os Casoys da vida.
As pessoas podem ser de direita, isso não deveria implicar em
perder a capacidade de ver na condição social de concidadãos algo que não os
desmerece (o bom exemplo não é, enfim, o próprio Sarkozi?). No Brasil, no
entanto, a direita política não consegue apresentar um comportamento de
brasileiros que gostaríamos que todos nós fôssemos, ou seja, pessoas capazes de
ver em cada outro que lhe presta um serviço um homem digno."
Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo.
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